186. Como fazer perguntas

Para fazer as perguntas
não é preciso psicografá-las
Para fazê-las não é preciso
crer nesta ciência.
Assim como se sabe
que as respostas dadas
tem seu íntimo na certeza.
Que não há
metafísica nenhuma
no mais sincero sim.

176. Übermensch III

Se é uma nobre verdade que o sofrimento existe,
não quero ocupar-me demais de seu ser nobre,
por isso, o eu abandona a eternidade apenas como aposta.
Assim, se é da memória
que ordenamos o sacrifício das horas
para este Deus,
porque continuamos constituindo
a nossa experiência da matéria renovada
na exumação do tempo?
Seria este o seu estado da arte,
o de esconder-se entre todas as outras obras?
e da certeza do asilo,
a única forma de tornar-se infalível?
a única verdade a do sofrimento dos que nele confiam?
Pois não há nenhuma lembrança dele
que não seja matéria do esquecimento.

175. Übermensch II

Se alguém disse
que um tal Deus
não aposta dados,
então porque,
pelo livre arbítrio que nos concedeu,
como sua responsabilidade na criação,
temos de escolhê-los.
Desgraçado, nos engana!
Que, ao ser criado na nossa história,
não deixou de existir.
Gênio da criação humana,
teria decretado que seriamos incapazes de recriá-lo,
enquanto, através da potência,
que não teria coragem de nos conceder,
nos recriamos.

174. Übermensch I

Da humanidade,
não há porque escutar significados
somente os ecos da virtude de ser superfície,
da mais próxima das peles atmosféricas
inclusive com suas tempestades,
na ética dos trovões,
com toda a filosofia de
uma sequência de tempestades
a demonstrar que nas crostas
não há nada que determina
uma sua alma de magma,
nem uma sua presença de vulcão.

Os significados
na tentativa de empurrar
as atividades
de um suposto e esteticamente suspeito ser
vulcanicamente,
culpam a memória,
quando são apenas
as deixas para o que transborda
na possibilidade desse novo humano.

14. Rosas nuas

Rosas nuas na cidade,
noturnas.
Noites assediadas.
As fachadas de pétalas desmoronaram
concreto desbotado.
Das fortalezas
da luz do sol,
na mesma cor partida,
Em todo o espectro do momento,
Através da íris do firmamento

Em muros que não sabem falar,

às vozes vazias que falam na imaginação,
Que vazias não são mudas e também não sabem calar,
São inscrições sobre inscrições.

Por isso, quem poderá,
pelas avenidas,
com tuas vergonhas
rasgadas entre os dentes,
sendo flores de asfalto quente
em seus becos, delírios e vícios...
Para antes,
Do que já fomos nas cidades...

170. Crônica do Juízo Final III

O destino de qualquer relíquia
deveria ser dividida
em muitas partes,
neste lugar que não podemos
na repetição
por falta de outros nomes
para se reinventar
à semelhança
de um Deus literatura
forçados,
na sua ira, que ordena a morte das horas
ao chamarmos de memória
porque, não que a democracia
seja o destino dos destinos,
mas que a hegemonia veiculada dos autocratas
será, no futuro das inscrições,
das paredes de pedra,
'burocraticamente' questionada
pelos nacionalistas
através da cultura de massa.
Assim se impõe
a verdade na democracia:
as diferenças conquistadas,
que nunca foram sementes,
teriam antes de ser
frondosas árvores.

181. Uma essência de rosa

Como será uma rosa arrancadas todas suas pétalas?
Não estou certo que seria rosa desvestida,
com cada, entre tantas, pétalas sonhadas
quantos foram, todos, os ventos,
soprados independentes de suas direções,
trouxeram-na nova toda vez que passaram,
a mesma.
Pétalas invisíveis?
Não são espírito,
não se vestem,
mas se peles assim ventadas do desatino.
Rosas em coincidência
de cores,
não são estas as suas diferenças?
Seriam delírios de diferentes modos de despir,
encontradas, em todas,
a mesma Rosa Nua?

169. Crônica do Juízo Final II (de Nietszche a Foucault)

Lá, no canto da moral
para além de um humano,
por deus que seja,
são sempre extrassexuados,
não restando
que seus sexos
sejam para fora
como todos os masculinos
não somente os machos,
que são sem a única interioridade,
sem o Ser que os tange,
Nem a Razão em um vir-a-ser,
servindo de lastro,
para ao ser deslocado,
de um sexo ao outro,
abandonar a loucura.
A construção desrazoada é a que se permite
teve o Livre Arbítrio determinado
por um Deus,
é o que se permite,
desde que por indução
não se ponha em primeiro lugar.
Se for o caso,
que não é de direito,
que se chame humanitarismo e
seja de presente um humanismo.

168. Crônica do Juízo Final I (para Nietzsche, com carinho)




Como,
apesar de tão reconhecida onipresença,
durante o Juízo Final,
Serão os seus templos costumeiros,
lares declarados,
então,
se não estiver encerrado neles,
também não estarei,
necessariamente,
blasfemando.
Serei, mutatis mutandis, bem-vindo.

102. Do gênero da esfinge II

“Por que fazer poesia?”
Para esquecer-me em minha superfície!
Talvez melhor, dentro de mim
enquanto desfizer o dentro.
O que está mais bem guardado,
que o esquecido? O desfeito.
Desfazer uma trilha para esse lugar,
Para o 'deslugar' esquecido.
Pela desvia do cordão umbilical,
o 'deslugarejo' resguardado da vida,
onde todos nascem
tantas vezes,
quantos são seus descendentes
por toda mulher ser mãe
da gravidez de sua filha.

160. Com as mãos no chão

Há pluviometria em não saber a distinção nas identidades das chuvas? Se chuva tivesse humor, não se diria ácida, no máximo molhada. De muito menos serviria uma psicologia dos imortais, se a natureza tudo envolve sem impor o princípio e a existinção, a existência continua espontânea. Posso ainda menos dizer do tempo, apenas que é invenção, ou o que diremos da capacidade de inventar? Uma invenção? Se valorizo demasiadamente qualquer saber natural é porque creio que para andar tive de tocar as mãos no chão.

161. Grávido VII



Olho,
inadvertido,
para o lugar no universo
que, em gravitação,
meus olhos cadentes podem me levar.

Sou amante fugaz do brilho de uma estrela,
mesmo sendo cadente.
E dela, sabendo que também não é eterna?
Sou e serei, tão intensamente,
desde o rastro que sou,
um cometa,
até encontrá-la no fim da direção,
para explodir 'gravidamente',
descomunal que fora universo,
mas, apenas, proporcional,
nunca infinito.

Serei todo pó da nebulosa e barriga materna
para unir-me novamente
ao que foi durante supernova,
para ser,
dentro do mesmo que sou e fui
seus,
todos amados,
inumeráveis,
não identificados filhos.
Porque,
formam a vida
que é a realização de uma estrela
para um astro,
salvo da deriva espacial.

Da distância, que também não é infinita,
em partícula não rarefeita
que se teve por estrela
é que se faz a gravidade,
a matéria da gravidez,
na forma do planeta, do satélite...
todo espaço que é em seu redor
para eclipsar descuidadamente
através de nebulosas
que se estenderam, ovuladas, ejaculadas
para, por último,
tomar toda a atenção
como faixo de luz.

Mesmo assim,
Se a estrela me escolheu,
Serei parido do meu destino
para, até ela, chegar?
Ao alcance da luz, digo que sim,
Se for através de seu singular brilho,
Estrela coração pulsante
Apontando do firmamento,
para todos os planetas desvalidos.

Serei fiel aos abandonados e perdidos sem estrelas.

164. Tanques contra bicicletas

Existem músicas que soam mesmo baixinho. Outras são como fileiras de blindados na Praça da Paz Celestial. Para ambas, os nossos sentimentos são sempre rebeldes desconhecidos e as fronteiras da boêmia são para os boêmios, que dormem encostados no muro. Teremos de nos convencer? Não há mesmo solução, se depois dos desfiles das forças armadas ao voltarmos todos de bicicletas, estaremos murmurando.

157. Quando as máquinas param VI (Nina II)

Não quero mais minhas preces
dissolvidas em lágrimas,
Batizar tuas magoas
na fonte das minhas esperanças,
Sem ser qualquer bendita maria,
Sem saber o que vai restar do meu apreço,
senão a crença que depositei por nós,
dois morando na mesma vizinhança da felicidade,
na pequena vila do seu quintal.

156. Quando as máquinas param V (Nina)

Temos de ser fortes,
como os pontos nas barras,
cada um de nós
pelos dois,
pois a felicidade alheia incomoda,
é o que mais vale da felicidade...
Não interessa saber
quais crianças brincam lá fora,
nem porque brincam,
nem o que é brincar,
somente que é preciso,
que vão.
O que será que brincar
tem a ver com felicidade?
Quanto mais costuro
e menos perguntas fizer sobre isso,
mais saberei,
e para o meu crescimento de indivíduo,
as máquinas é que pararam para me acariciar

155. Quando as máquinas param IV (Zé)

Foi de tanto ser rezado que nasci,
Não preciso mais rezar,
já tenho muito crédito
do lado da criação,
por estes
paguei meus pecados
e a devoção de meus pais,
que não conheci,
que só não tenho a sorte,
é preciso negociar.
Entre uma cartada, uma bolada
e a página virada, do jornal
que despenquei, e assim mesmo que me pari,
Deixam-me vencer,
se não me pertence o jogo de azar,
e para o meu crescimento de indivíduo,
as máquinas é que pararam para me acariciar.

154. Quando as máquinas param III (a religião)

Quando as máquinas param
Não acho estranha a corrupção,
mas que os moralistas sejam os maiores,
isto, por fim,
que eles já sabem que podem nos comprar.
Se já não o fizeram,
não é por nossas ideologias,
mas porque a vontade não existe,
bem como não podemos nos submeter.
Essa é a primeira lição
para se livrar do medo.
E é primeira
não porque venha antes de todas,
mas por vir-a-ser
o que dá o contorno de nossas mentes,
provindo delas e completando-as,
fechando suas formas
para psicologias possíveis,
o que não são
nossos destinos místicos.
São o poder de nos contradizermos,
o mais rapidamente possível,
diante da beleza cotidiana,
não por sua natureza,
mas por este poder.
Estará esta última
sempre superestimada,
porque não existe ingenuidade confessa.
Existe?
Muito antes,
ser um moralista sob juízo.

153. Quando as máquinas param II (o trabalhador)

Quando as máquinas param
heróis serão transplantados do coração
da realidades onde deixamos de existir,
porque fomos abatidos por eles,
por estes que já fomos,
porque eles acreditam
que a felicidade
é nada fazer,
e por acreditarem nisto
são sagrados heróis.

Secretamente
os heróis admiram
aqueles que nunca se ocuparam,
tentando distinguí-los
de quem não tem ocupação.
Logo estarão exaustos,
permitindo que cheguem triunfantes
os anti-heróis.

Pelos anti-heróis da nossa nação
não hasteemos lemas
não cantemos temas, nem hinos,
em sua devoção,
para estes temos apenas
tapinhas nas costas
e um sussurro ao pé do ouvido:
não fez mais que sua obrigação.

Porque dizer-lhes obrigado
pelo que fazem por intimidade,
do tipo que,
mesmo os mais ardilosos,
nunca transformarão em mecanismos
de quem brota mundos
e nunca os é por avesso.
Por isso, companheiros,
muito obrigado por acreditar!

152. Quando as máquinas param I (o cotidiano)

Quando as máquinas param,
enquanto as horas improvisam
e falham.
Os pecados rolam imaginação
das novelas televisivas
de um lado para o outro da cama,
da cabeceira solitária,
mirantes em arranha-céus,
de sonhos sempre em construção.

Para alcançar todas as imagens
dos santos pré-moldados e padroeiros,
nos seus sincretismos
há bastante inferno,
no terço, na imaginação,
enroscada nos peitos das freiras.

Nas repartições, no desemprego,
a minha autarquia
é algo beirando a luxúria
e a ira apreendida no contrabando,
decoração das barracas das feiras,
através de apertos de mão falsificados,
por denuncias de investigadores profissionais,
ironicamente,
por força dos mandatos de busca e apreensão
cheirando a uísque clandestino.

Na partilha dos pequenos detalhes,
alguns ainda hão de te julgar.

Entre uma partida e a consagração no campeonato,
as bandeiras violentas ao sabor do gás pimenta,
o instante lacrimogêneo da consciência neon,
das torcidas que se mexem
em ondas de suor e cerveja quente
para fábricas cotidianamente desconcertantes.

A Legião Estrangeira nos ensina
que as fronteiras dos nossos corpos
são para os que não deixaram
as nossas queridas liberdades,
sem preço de resgate,
ainda que bastem, mas não tardam,
na doçura cientificamente comprovada
dos nossos soberanos dedos indicadores,
entre hábeis polegares,
ou na sapiência deduzida dos impostos.
Que hoje em dia, os governos,
tanto quanto as igrejas,
já aceitam recado para encomenda
de peças para apocalípticos
maquinários do juízo final.

É preciso, ao serem aceitos os
alvarás para as reformas dos sorrisos,
nas prefeituras, ter em mente a eficiência total,
ser integro, digno e ter muita paciência
para respeitar a propriedade
definida em polegadas, braças e pés
para que permaneça
eternamente deitada em berço esplendido,
sem nunca corresponder
ao nosso verdadeiro amor.
Aquela que deixei dormindo
porque me disseram que
se eu estiver por muito tempo fingindo
chefiar todos na nossa casa,
é preciso ao menos velar
o sono e a fome dos que,
por não serem batizados por sua revolta,
nunca irão acordar.

151. Sobre o soneto inexistente de meu irmão para mim

Só poderei te chamar irmão,
se a carta que te escrevo,
for como um buraco
em alguma de minhas peles.
Não porque dele vaze nada,
mas pela necessidade de reconstituí-la
tão surreal quanto antes,
mantendo a transparência
sem que me torne invisível,
ao valor paradoxal
que a partir dela
posso sentir da família.
Um enchimento,
constituído tão somente de pele,
que não permite que meus ossos
atravessem minhas outras peles,
Que não sejam esquelético anúncio da visita,
na adolescência de minha maturidade.
Para que eu possa continuar apertando forte
os ossos de suas mãos
nos nossos renascimentos,
nos nossos encontros,
até as 'desnacenças'.
Ao final desta carta,
te chamarei de irmão,
e poderei dizer que contigo aprendi,
por saber que vamos nascendo do mesmo ventre,
que não vou morrer, mas desnascer
ao lado da minha família,
e daqueles que escolhi para estarem ao meu lado,
isso porque descobri que,
de simplesmente existirem
que é possível desengravidar a existência.

148. Soneto de meu pai

Sempre me falou do lugar onde sou rei
de modo mais que um soberano
Em tempo: cresci, na medida que faltei
qualquer um por este lugar kafkiano

Trás de presente depois do trabalho
em um embrulho, a dúvida se amadureci
o que poderei responder se faltei
responderei que sim, eu batalho.

Da dívida dos jogos trocados
quis manter nossas responsabilidades
Sempre soube que nasci príncipe

De carinhos dados e, ainda, arrancados
Vivi a mais pura das normalidades
A mesma herança de sempre: felipe.

142. Soneto de minha mãe

Às sortes da vida chamemos família
A minha, ao tê-la por amuleto
Não houve, de certo, ser uma só vez
Sei que não caberiam neste soneto.

Das mãos de minha mãe, apaziguam a rima
Assim, entre os amores, quais são possíveis
Amparou-me quando impossíveis e
Mostrou o que, desses quereres, era estima.

Soube sempre de minha hora primeira
Antecipando o que sentia, sempre
Nos cabelos, nas unhas, nossos jeitos.

De todas as vontades foi costureira
trabalhou duro por 'o que se cumpre'
com retalhos de amores imperfeitos.

128. Para os vencedores

Por enquanto vou vencendo
por que, se de vencimento em vencimento,
a consciência é que vai sobrevivendo
é por crer que enriquece do acumulo,
do roubo de rimas pobres e medíocres como estas.
E depois de tudo isso,
será que, de rima pobre em rima pobre,
a rima fica rica?

127. Parte podre

Vou com o sabão
ao enxaguar as roupas,
sepultado no esgoto.
Nunca deixe ninguém lavar suas roupas,
pois, você é que deve enterrar seus cadáveres,
muitas vezes, nos seus lugares de morada,
deixando, ao morrer, muito pouco,
de um só corpo para a sua cidade natal.
Outra vez, quem eu sou,
ao ser recortado dos dedos,
junto-me novamente aos cabelos,
e com a poeira,
tenho, portanto, um corpo,
que ao pó não voltou,
é mesmo o próprio.
Se tudo que está fora de mim e me invade,
é excreção, então vale destas,
o meu eu mais querido, a 'puesia',
que se fez da mistura de palavras
com a mais fétida bosta,
sendo a nossa podridão o que mais
afeta aos outros.
Não só do homem, também da natureza,
todos os sabores e cheiros se tornam,
que é, em toda vida, o fim do tempo,
porque ainda tenho tanto pudor?
Boa parte de mim
são destes tantos
que não constatam a falta
e, se sentem, não se assemelham às saudades.
Esta que é, para os que ficam,
a minha parte mais podre,
por ser somente uma parte.

140. Blafemando de mansinho

Jesus transformou a água em vinho
porque já sabia que,
por causa da tal da inspiração em Deus,
o homem inventaria a rolha.

138. Verbohemorragia

Escrevo para evitar a hemorróida da existência, por isso, quase tudo que é excreta do verbo é como hemograma. Restando para a Ciência um único trabalho que é a anuscopia. E tudo que aquela quer é transformar a autoridade do ânus, e por conseqüência o mesmo, em bola de cristal.

137. Solar do Unhão III

Se a maré, sob o véu da “Senhora dos afogados”, enchia acima da medida das cabeças dos escravos do porão, é porque sendo esfriado o barro de seus corpos do calor que é toda a herança permitida de seus ancestrais, tinham as almas fundidas. De onde antes, na cabeça de seus senhores, só havia molde e brutalidade, emerge a matéria que serve nas missas, nos batismos e ainda havendo sido usada de liga na imagem do padroeiro, exibida nas procissões que partem da capela do Solar. Daí suas almas serão, enquanto durar a colônia, as prisões de seus corpos.

136. Solar do Unhão II

De tanto comparecer às histórias de marinhagem, aparecendo em tantos preâmbulos. Se, ao desviar sua atenção, tiver os olhos voltados para cima pela súbita gravidade, encontrar mares, oceanos e alguns pássaros boiando que não possa alcançar, é por tanto querer ter a fala como as ondas que navegam. Se algum mar, ao olhar para cima , não se encontrar além da mesma face que se fez ao esticar o fio do horizonte, é por não crer que um dia, sendo possível que a baía vire sertão, que em outro, as antigas águas deste novo deserto, estejam beijando outras faces. Então, de tantas marés repetidas, de tanto namorar a lua, que os oceanos mudem definitivamente seu endereço para este satélite. O que seria então o chão destes mares? Seria a possibilidade de catar todas as estrelas que queira e fazer os pássaros, os mares e mesmo os oceanos terem inveja, que por serem legítimas navegantes, também tem direito de cruzarem os corpos dos marinheiros.

134. Solar do Unhão

Do olhar, da proximidade dos muros que cantam a baía, sei que nem todo reflexo é seguro, mas nem todo aportar é, sei que das águas o é, tenho segurança disto.
Como um garoto que, encantado, ouve os contos sobre fartas pescarias daqueles que ali mesmo chegavam.
Porque, o reflexo das massas que costura os continentes, nos ancora como imagens em espelhos, mais seguros que qualquer pedra do porto e mais fértil que qualquer aterro.
Por isso, simplesmente chegar a uma enseada e amarrar as cordas no cais de um solar, não é conforto para o parentesco de fundo do mar que percorre o litoral no “naufrágio das ondas”, na memória de todos que se escoraram nas danças de suas marolas.
Está nas línguas de prata que sinalizam as praias, no chicotear dos ventos sobre, nos cobertores cristalinos ou mesmo turvos, são navalhadas dos lemes no eterno deslizamento da areia da inspiração e do que desta deriva. São chamados das sereias famintas de marinheiros, porque toda história será entregue pelos súditos mais próximos ao Rei Mar. Oferendas à sensibilidade de sua arte, na ancestralidade do assoalho dos oceanos, muito antes do que representa qualquer mito da criação. Que não está nas falas rasgadas, travestidas em trapos, que chamamos velas ou discursos de estiva, mas tatuados na extensão dos rastilhos de podridão, nos corpos que flutuam na beira-mar da imaginação das esposas dos mesmos marinheiros, que só retornam pela elevação das marés. Porque há, ao menos, uma lua para velar e, ao mesmo tempo, iluminar seu cortejo de algas cintilantes. Pois, para todos os viventes, os seus restos serão servidos na bandeja de todos os santos.

126. Incapacidade necessária

Isto está para minha extrema incapacidade necessária de fazer funcionar a vida.

123. Lição de ótica

A lição do vidro: o processo especular é sempre entendido a partir de uma lição de ótica, mas os reflexos são próprios dos corpos. Por isso, não é o espelho que me diz quem sou, porque estou vendo o mesmo; Eu é que digo quem ele é! Também não é questão das profundidades não admitidas pelas leis da visão, mas das forças que me dobram, para ver este, que aí está, a me olhar. Apenas uma questão de ângulo: ver este eu ou quem está por trás do vidro em atitude curiosa? Por um ângulo, vejo como se fosse o mesmo, por outro ângulo, vejo esse outro com o mesmo espanto. Provavelmente este estará na mesma questão. Que não existe nenhuma imagem ou um outro primeiro que diga o que é esse olhar, e no mais, a quem pertence. Vejo neles, estes que se seguem entre quem percebe e é percebido, a multidão que há na sala de espelhos e imagens desiguais, onde não houve o momento da invasão de um único raio de luz. Apenas o refletir mútuo da escuridão onde há sempre um jogo de luzes da ciência de todas as ilusões, pois todas abraçadas nunca se opõe.

121. A presença do outro

A presença do outro é a questão da distância ao cavar um buraco: não se sabe quando fará desmoronar o eu se tornando novamente um equívoco.

117. Poesia de partida

Logo que,
a penúltima pessoa sair
de casa,
a última deixará de existir
consigo,
Que não existe nem sozinho.
Sendo que, a saudade
não mais coincidirá com a dor
será esta a cura da primeira.
Se o tempo cura a dor,
que se cure o tempo!
que a saída do último é inevitável.
E o que dizer ao primeiro,
ao refletir sobre este momento:
que volte com por sua vontade,
não pela do tempo,
que este não se cura,
nem da dor,
que esta faz deixar de existir
aqueles que procuramos
ao encontrarmos.

115. Em crise (para Austregésilo Carrano Bueno)

Existe uma voz ausente, maldita!
Que não responde aos que nos libertam,
ou querem libertar.
Uma voz que não é dos poetas,
mas que quer poesia,
para falar de todos os assuntos
que o falaria, se o fosse,
sem apresentar os nomes,
se loucos ou não, somos pela diversidade.

Que loucura é essa de parar
de prestar atenção no mundo
e fazer arte?
É a loucura que funda o mundo!
e sabemos administrá-lo,
não precisamos de tutela,
mas de outros,
que, além de fazer arte,
se envolvam com a sujeira do mundo.

Alguma autoridade técnica,
a qual, por surgir despersonalizada,
não se lembram, chamou-me poeta,
não estou organizado para afirmar,
mas onde houver crise,
o que chamam de arte,
deverá estar lá.

114. Dias de clandestinidade

Hoje,
românticos são poucos,
românticos estão,
em aparelhos subterrâneos,
sob treinamento
em clandestinidade.
Românticos são tantos
e os centros de produção
são domesticadoras,
são da docilidade,
dos seus cadáveres.
Se estes mesmos românticos
não merecem
mais que um paredão
pelo que lutaram.
Provavelmente
por não conhecerem nada além.
Ou fuzilam ou morrem de amores
romântico tá tá; tá tá...
com os sussurros das metralhadoras.
Crêem que não são as balas
que atravessam os íntimos,
e fuzilam porque são românticos!
O erro, para eles,
representa a morte,
a política,
a produção de guerrilheiros.
Não entendem,
que errar é sinal de cumplicidade
com seu algoz necessário,
que num dia será romântico.
O que dizer quando
cada erro for capitalizado?
Neste ritmo, a morte, só em larga escala
e, a imortalidade, a presença do Nazismo.
Por fim, nada mais fugirá a banalização.
Que muito mais pessoas,
não românticas,
serão colocadas na clandestinidade,
que não haverá exílio pra tanta gente.

113. Por todos aqueles que roem

Alguém nos diz
que outro alguém que olha por nós
É nós mesmos,
Que está no meio de nós,
Mas existem muitos
que olham nossa comida,
nossa carne,
nossos pertences
e roem.
Eles não querem nossos templos,
não querem nosso ouro,
somente nossos ossos.
Não querem nossa devoção,
apenas serem livres de nossas armadilhas.
São melhores que qualquer deus
e piores que qualquer homem e,
por isso,
são os donos deste planeta.

São por todos aqueles que roem,
não vão deixar de roer uns aos outros,
e são por nós também.

111. Em tempo...

Será que existe
algum relógio
que aprendeu
a marcar com o tempo?
Não creio,
eles são espontâneos demais.
Repentinamente um segundo,
ou outro,
Portanto,
quem manda
nos relógios não é o tempo,
mas a ocasião.

108. Para um astro desconhecido

Se você for um astro desconhecido,
escolha um satélite,
para não se cegar
com o luzeiro do universo.

Se não puder, mude o ângulo,
deite-se,
e sozinha mesmo,
faça-se satélite.
Será possível não estar acompanhada?
Senão, escolha o Sol,
para as horas solares.

Poderiamos afirmar
que os dias e as noites
não teriam significado
sem a rotação?
Sim, poderiamos afirmar
que perdurariam os dias e as noites.

Como resultado,
das constantes medições,
Num momento
não está lá
e noutro
o objeto de nossa atenção
está
no meio do nada
nadificando tudo mais,
responsabilizando ora o ser,
ora o meio, por sua angústia.

106. Lispectoração II (Lispectografia)

Quando não estou em desespero,
o que faço? Sou dona de casa,
Quando estou, escrevo,
mas se não o faço,
vegeto.
Quando quero escrever,
é a mucosidade da irritação
que julgam ser em função dos vários cigarros,
nada me fazem,
se maleficiam dos meus males!
Porque as donas de casa
tanto se desesperam,
enquanto tem um cigarro entre os dedos?
Eu sei, porque escrevo.
Se ordeno a cozinha, estou longe de ser
indigesta, como quando escrevo,
sobre o incomodo
deste espírito que desemboca
no que não é essência.
Muitas vezes,
não é nada disso,
pois vegeto, sou dona de casa
e escrevo ao mesmo tempo, caoticamente,
não para confessar, mas
para falar ao próprio inconfessável.
Posso dizer que me entendo,
todas as palavras que usei
tinham ao menos dois significados,
um para mim e outro para os outros.
Para os entendidos,
razão dos outros serem,
dou-lhes golpes de capoeira, escurecidos
da razão que tenho das intelectualidades,
mais aptas ao entendimento do que faço.
Não sou profissional, não foi por opção,
Seria algo, que se não fosse pela memória,
teria desde sempre feito, desde de antes
da primeira lembrança, ou talvez desde antes de ter nascido,
daí crer que minha mãe inventou este momento,
do meu parto ter sido antes de ter me dado a luz,
de ter, em algum momento, me luzido.
Esta foi minha verdadeira opção,
a profissão do meu espírito,
a de eu mesma nascer-me das bocas das pessoas.
Algumas, ou mesmo muitas delas,
tem os destinos indo de encontro
com cartomantes, mas verdadeiramente,
suas sortes são depois de saírem,
das suas presenças, não os são,
mas atravessam-os, se iluminam,
e iluminam os corpos,
os mortos e os vivos.
Se antes de minha morte,
que as cartomantes não poderão prever,
por ser inconfessável, encontrar
com mortos-vivos, é porque são eles,
que sempre me atravessaram,
não o meu destino, que este ficou
com aquelas cartomantes,
mas estes meus nascimentos,
que insistem em, teimosamente, nascer.
São estes mortos-vivos os legítimos proprietários
de minhas profecias, latifúndios do futuro
para os retirantes da minha alma.
Alma que nunca tive, terra também não,
fui grilada, lispectografada que fui
das parcelas desprivilegiadas da humanidade.
O que eu sou foi um grande sim,
ou simplesmente sim.
Ou um sim,
ainda mais simples,
que é meu esqueleto,
enquanto minhas carnes eram não
para a presença ainda sentida
do meu inconfessável.

Presadores




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Nota: sobre os significados das poesias...

A partir de hoje, lançarei alguns significados e interpretações de algumas destas poesias na forma de comentários. Assim, estes aparecerão entre os comentários sobre as modificações.

101. A pele do labirinto II

Se qualquer ariadne
quiser ser como mãe
para algum teseu,
dando-lhe um novelo de ouro,
deve, ao mesmo tempo,
adotar um minotauro
e domesticá-lo
que todo minotauro
é mais dócil
que qualquer teseu.

Se se deixa embriagar
por algum dionísio
é porque crê que pode
domesticá-lo com esse mesmo fio
que sempre o permite regressar
sem se lembrar que
o semelhante, já havia rompido,
o cordão umbilical
dos deuses,
tendo se tornado,
entre todos os mortais,
apenas mais um deus.

100. Crina de retalhos

De posse do seu destino,
seu rumo,
Tudo se costuraria,
mas segura na crina do cavalo,
que se soltou
no mosaico de desenhos de sua pele,
glissando,
no chão de sua sensibilidade,
por que sabe que são
colchas de retalhos
não sei dizer, e quem sabe
Que desta mesma crina
se faz o fio do arco
com que toca
o seu instrumento,
qual instrumento?
Se segura a mesma crina,
enrolando-a em seus dedos, cravelhas,
como se espirais fossem,
o destino te enverga
te faz arco,
com que toca o próprio instrumento,
e não há mais instrumentos
para tocar.

99. Tormentas

As palavras me atormentam,
trazem tormentas,
Quando duvido
das linhas do horizonte
é que é possível,
as tempestades que unem
o céu e o mar.
Veja no horizonte atormentado,
desde sempre escrever
no exercício de unir dois planos.
Um dia resolvi que não importava,
o que ficava na rede
eu colhia os peixes,
e jogava o mar fora
hoje sei que uma inundação
pode ser bem-vinda,
mesmo que me atormente.
Tentei conviver com poucas palavras
me senti sozinho,
Tentei manter vivos os peixes,
rascunhava migalhas para eles.
Joguei muita coisa interessante
com sua água,
agora sei que respiro dela,
que respiro peixes,
e as palavras me respiram.
Sei em que redes
poderei capturar algum mar.

Sertão em poesia




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97. Juventude prematura

Existe a consciência que
a mortalidade infantil se espalha
entre os deuses?
Há alguma existência
crônica ou crítica o suficiente
para ser chamada
imortalidade?
Seria para todos os casos
a mesma doença,
a sorte,
mas se o destino segue
de costas,
é porque tudo mais
é providencial.
E assim,
Nem tudo que nasce, medra,
mas o que não brota, mina.

96. Lispectoração (Para Clarice)

Na vidraça do mundo,
a luz, de fora, era tão intensa
que não havia nenhum reflexo
meu, precisei inventá-lo.
Desenhei com um caco
do chão que não existia.
Eu ali,
lispectorando,
este nome em ato, desagradável.
Tive de inventar uma palavra,
não por acaso, inventei duas ou três,
todas filhas legítimas,
tenho de me remeter
ao ato, com eu sentado
a máquina no colo,
o vento tilintando,
como se pudesse
de algum modo
entender,
o som do bater de asas onomapéicas
das pequenas borboletas amarelas,
que dominaram a cidade,
que dominaram minha escrita,
mais que as palavras,
eram como o ar que
como que num repente
transludecido
que escorria pelos vales,
ao olhar de uma ponta à outra
iam se desenhando
pela dimensão transparente
aos meus olhos,
eram mais que as folhas,
que esperaram o outono,
que chovia das núvens-copas,
das árvores minhas semelhantes, em tudo.
Quem foi que disse que
não há esta estação
nesta cidade quase
equatorial?
Sei que sim.
Sei que ela falava de Macabéa.
Então sentei na borda do mundo
e deixei este escarro catedrático
no canto,
bem no lugar onde
as paredes se reproduziam
num sexo estático e imperfeito,
mas o fiz, porque sei que
é deste local onde mais brota
a ausência de constrangimento
entre as idades.

93. Do gênero da Esfinge


Não te decifro,

porque devora-se

Como toda mulher,

que antecipa-se

mãe da gravidez de sua filha.

Se reconheço sua descendência

é por devorar-me enquanto Édipo.


Quais dos mitos são sagrados

por devorarem, espontaneamente,

quem deles se aproxima?

Se o fossem, seriam homens,

Assim, obviamente, sacrilegos,

numa avenida do desfile de esfinges.


Sua beleza,

de peito de leoa,

rabo de serpente

e asa de águia

cabeça leal à natureza,

de ser mulher,

de ser legítima esfinge francesa,

é que seu mistério

mesmo desvendado,

nunca foi devorado,

pela história dos homens,

na dietética dos seus livros.


Quem dera

mesmo sendo homem

ser olímpico,

mais do que quimérico,

Ser soberano,

mais que a voz inaudível das

tiranias para os

últimos das multidões.


Ser Narasimha

dos mil braços pacificados,

em armas,

para com a juba em Sol,

ao vento de todos os deuses,

ser o único gênero da Esfinge.



A cegueira em cores de Glauco Mattoso



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92. Todo preto de olho preto

Todo preto
de olho preto
é mais preto
que todo branco
de olho azul,
que se perdeu no mar
por navegar
o navio negreiro,
mais que o próprio
azul do mar.

Porque o céu não é motivo
do mar, ser navegado,
por tanto europeu de olho azul,
mas pelo contrário,
dos olhos claros,
iluminando os rastros,
de tantos pretos,
jogados para o mar
da viagem, à última viagem,
que vieram a sepultar.

Black is more black
than white…
Que a White House,
tem um preto lá dentro,
no centro do poder branco,
na Casa Branca há
um que não é convidado,
não é um preto entre os brancos,
é patrão e empregado
de um mundo que,
se diz civilizado, mas
que varreu vários cadáveres
para baixo do capacho do seu Senado
comandado pela Klu Klux Klan.

Que
quem rima
uma palavra com outra
é a branca fome de poesia,
Que tem muito poeta negro
só rimando fome com fome.
E a riqueza da palavra branca
é da estética do branco,
de rima fina e nariz fino,
de cabelos loiros e loiros versos,
talvez vermelhos,
e o verbo como cacete
para dar na cabeça preta renitente
que quer rimar necessidade com necessidade
no seu protesto, que
não é sinal de pobreza da palavra,
mas de teimosia.

Se um Deus branco,
criou um Adão branco
da terra negra, e esperou
que pela existência nunca passasse
um Adão negro, mais legítimo filho da mesma terra
qual foi então a forma que ele usou?
Foi a forma do falo estuprador!
Se este mesmo Deus Branco
escreve a verdade por carreiras tortas
é porque são suas veias e artérias
cheias de tinta branca.
Porra de Deus pintor!
que usou a tinta da sua barba
para não reconhecer a maternidade da terra.
Tornou a vida um patriarcado e
todo adão
um macho.
Se este único Deus é branco
é cego, e
sua cegueira é o pincel da sua criação.
A cegueira branca que descreveu Saramago.

Todo preto de olho preto é melhor
que todo branco de cegueira branca.

Guerreiro Islâmico e seu cavalo em cores

Guerreiro Islâmico e seu cavalo

90. A pele do labirinto

O que representa o minotauro senão
a avareza de vida
da velhice prenhe de inveja
do terror da tradição à
beleza da juventude,
não do jovem.
Não será isso que a psicanálise
põe nas nossas cabeças,
chifres?

O buraco é mais embaixo
que o buraco da psicanálise,
que nasceu com o cu no pé.
E no mais
só sabe por cu no próprio cu.

Sem chifres,
sem cascos,
sou um corpo livre de personagens
com eles,
e sempre por eles,
sou um minotauro
com pathos, sou sem meios termos
descendente da avareza
um corpo mutilado pela inveja,
dos nossos descendentes, caquéticos
são rugas que,
por necessitarem de uma essência
chamam de almas.

Somos mais que
a simples fragrância
lançada, por descuido, num poço,
somos o labirinto sem paredes de nossa pele.
Não sendo desérticos,
somos na pele do labirinto,
a regurgitação do minotauro,
porque se somos mais,
somos totalmente indigestos a estes,
que nos querem devorados,
que foram nossos aliados,
que pisam em nossos brios,
e nos dizem que são nossos verdadeiros eus.

Sendo mais de muitos eus,
não posso ser chamadado de um,
nem de nenhum para qualquer eu.
Se sou da cabeça de Teseu,
serei sua vasta cabeleira,
que esconde os chifres
que de todos os Teseus
também serão minotauros.

Se for transbordante,
se for espontâneo,
serei a multidão de piolhos
que infesta a cabeleira do herói
romântico,

ou, mesmo
o que combate
a vaga que
leva as almas
e deixa os corpos
Num Cemitério dos Vivos.

Serei eu,
na jogatina das estrelas,
como o mesmo velho lôbo,
para todos,
os mesmos santos.

Serei, num passado distante,
a impossibilidade esfíngica
de um herói ecológico.

E é lógico, não serei,
se poético,
tão preso aos maneirismos,
como antes.

89. Amor portátil

Meu amor não é
do tamanho de um tudo,
simplesmente perambula,
carrego por aí,
portátil
para não estar em contato
com quem não quer meu bem.
Mas nem sempre anda comigo,
ao meu lado ou em mim,
porque, mesmo sendo pequeno
é muitas vezes mesquinho,
quando poderia ser compartilhado.
É de chumbo,
mas pode,
sem maior dificuldade,
ser derretido pelo frio
da indiferença.
Quando está comigo,
ou sou eu,
me faz sempre ouvir
música de trás pra frente,
para saber o que há
antes da música.
E porque é mesquinho,
acredita que há paz interior,
no exílio do eu,
sem os outros,
qualquer que seja.

Este é Hélio Oiticica



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60. Crime e Castigo

Essas palavras são testemunhas de que não esqueço...
testemunham em favor de lembranças...
Não porque as tenha para explicar,
os motivos, mas porque ouço o eco
dos seus significados...
Como sei seus segredos? Roubei-os,
enquanto se repetiam,
e estas palavras tem de confessar!

Se torturo as palavras,
Amarradas nos laços dos meus atos,
é porque elas nunca me deixaram esquecer,
e quanto mais as torturo,
mais elas me fazem lembrar. Esqueci?
São lembranças sobre lembranças,
Porque então mantê-las cativas,
se mesmo o nosso silêncio nos comunica?
Porque movemos o tempo entre nós,
nossas intenções explicitas!

Se estas são apenas inocentes,
é porque merecem qualquer castigo que tenham!
Se são culpadas é por se entregarem
para a própria culpa que não deveria
ser cultivada no lugar dos seus significados,
Que deveriam ser superados
para todo o tempo...

Assim, essas palavras são cada letra: uma barra,
das grades de uma cela, da prisão sempre próxima,
de onde vejo um felino sol dourado,
em longos raios oblíquos em poente
rasgando a unha, o mesmo céu virgem
privado do seu sossego,
se esfregando nos cantos das expressões,
mais vulgares,
iluminando-as,
da liberdade de não terem significado...

Vamos, sossega o mundo!
Que animal selvagem nenhum merece castigo,
de crime pior do que nunca ter existido,
e ao se pronunciar, já se inflama
vindo do interior da cela do nada...
e sentencia nosso futuro à inocência
do presente...

61. Em corpo e alma de pássaro

És uma parte de meu corpo!
Serei eu uma parte do teu,
corpo de pássaro?
Inventaram o corpo na natureza,
Forma pesada de voar.
Para algumas partes do meu corpo
que deste poderiam ser extirpadas!
E quando são,
São minhas asas!
Essas vontades
nos levantaram ao romantismo,
como único vôo possível,
para fazer valer o desencontro!
Não tomaram consciência,
que qualquer tentativa de separação
de um só corpo,
seria como a distância,
que de tão longa,
fez a volta,
Para nos encontrar,
Como a alma do pássaro,
a poesia em seu próprio estado,
Que anda,
para não se cansar
do que ainda é em vida.

62. Prole de estrelas

A Lua, que tem um eclipse só para si.
Se faz um eclipse só pra mim,
Se se esconde
Nas partes de si que se faz ver
É sempre sorriso.
Sorriso, que de tão farto
seduzirá o Sol, sempre.
Se ao procurar a Lua
Se não se encontra, acompanha o Sol
E vão passear entre as estrelas.
Mesmo sendo irmãos,
fazem filhos para povoar o firmamento,
Colonizam a eternidade.

Elegeram,
entre todas as partículas
um grão de poeira,
Para que deste
brotasse toda a poesia do universo.
E porque este grão de poeira
tornou-se bastante grande
houveram de criar os pássaros
Para ensinar às almas
que vagam por este grão
Que não se igualam
a sua prole de estrelas...

...e que estas almas não se igualam
nem à sua prole de poemas.

Poemas fecundos de almas
E almas fecundas de estrelas
Estrelas vistas através de poemas,
Durante inumeráveis eclipses da existência.

76. De Bansky para Izolag (...)

Propriedade latrina
de quem especula com as chuvas
sem se dar conta bancária
da vida redesenhada em reboco caído
úmido
De todo auxílio,
Que vêm externo,
que vêm em excesso,
porque é conseqüentemente
um militar marchando
sob suas bandas podres
que tocam alegremente seus instrumentos
através das máscaras
para câmeras silvestres
que imundam os boulevares
a serem as vistas
de quem, ao invés de cultivar flores,
cultiva antenas nos jardins.
Para todos, na jogatina parabólica,
todas as ruas são em cores
em temas populares,
De uma vez só
nos televisores
de uma vez por todas.
Sem deixar vestígios
de abrigo em abrigo, seguem as chuvas
com esse itinerário
Nova Orleans – Santa Catarina
e emergem
por todos os lados
os aviões e até os cadáveres
levando-lhes
pouca comida
e muita imprensa
Parece até
que o drama
exige uma tempestade
Faroletes de merda!

69. Para conhecer uma mulher

Vejo em você, mulher,
o amor às suas pegadas,
Coisa que, antes,
eu não sentia.
Se as reconheço, mulher,
é porque antes não te conhecia,
Eram marcas de uma rede de carne mal trançada.
Não porque seja firmemente de carne,
seria melhor assim,
mas por que era,
para mim,
um mero arremedo de fantoche,
Entre um disfarce e uma fantasia de anjo,
inconfessável fetichista,
com um sexo costurado entre as pernas?
Não, vejam que sou machista!
Contorcendo entre desejos românticos
do sexo que não brotou,
nele foi pregado.
Para conhecer, mulher,
é preciso abusar do que sou?
Será que sinto?
Se sinto é porque te conheço,
por escapar, inteira, das minhas armadilhas.

A Lógica é a genética da preguiça de criar, e a criação precisa de intensidade sendo o exercício do impossível imediato, mas, às vezes, porque não sermos um pouco indolentes?

Não 'creio' na Lógica por causa dos Ateus. Os mais consistentes propagadores das leis de Deus.

Mesmo não sendo parnasiano...

“Fuja da abundância estéril desses autores, e não se sobrecarregue com um pormenor inútil. Tudo que dizemos a mais é insípido e degradável; o espírito saciado repele instantaneamente o excesso. Quem não sabe moderar-se jamais soube escrever.”

Nicolas Boileau-Despréaux
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A Pro
posta...

...deste blog é difundir o ideal da poesia compartilhada e não apropriada por aqueles que, pretensamente, se consideram autor@s. Assim, todo o conteúdo publicado neste, pode ser utilizado e modificado por qualquer um(a) que se sentir encorajad@. A única coisa não permitida é intitular-se autor. Por isso estou recorrendo à Creative Commons (veja em) para garantir este direito a tod@s!

O Conteúdo...

...será uma coleção de poemas produzidos em diversas épocas. Esta coleção (provavelmente com alguns poemas em gestação) não tem nome definido.

Modifiquem! Publiquem!