215. A carcaça II

Por ser o tempo
um mero cerimonial
estará em sua solenidade
como uma 'presença transcendente',
a imagem e semelhança
do vazio de uma carcaça
que, há vários dias,
aprisionava os órgãos
cada um, em suas vidas,
do corpo, pedaços de si.

Disso não sei das vidas alheias
pela solidão destes
mas por seus cheiros.
Pelos entendimentos
que não são alheios ao ar
posso dizer que
ao menos
um pulmão morreu na praia,
junto com as carcaças
que tentou entender.

214. Suor e grades

Não há consolo
para as estações de calor
amontoados
os suores dos outros não nos refresca
nas promessas de um dia melhor,
após qualquer outro,
somos nossos corpos quentes
que, a cada suor, são novos.

Destes que se liquefazem
para escapar pelos poros
entre as grades do que
em qualquer corpo
já tornou-se jaula.

Sob essa multidão de barras
um eu presídio,
é, apenas por força das massas,
de todas as substâncias de nós mesmos,
a mais estranha, nosso corpo.

213. As jaulas

Existem dois tipos de jaulas:
As em que todos nos veem por um ângulo
e as em que somos vistos por um
e por todos os lados.
O que está em questão é
se escolhemos sempre
as suas interseções.

210. A carcaça


Lá está uma carcaça,
aproximar-me dela
não lembra a morte,
mas o vento, seu comentarista,
como a multidão que indistinta-se
por cercar a extinção
dos animais que a acomodam.

Agonizou na arena,
mesmo que vazia
atrai a atenção inspirada de cada peito
para o seu, aberto,
a respiração em corte pela transversal
como a aflição ao se aproximar de seu centro,
vertigina o lugar onde havia um coração.

Não para a fatalidade,
mas à todos os medos espectadores
que nossa ancestralidade continha,
pois não há jazido,
que não morra consigo.

Às ideias natimortas,
que ninguém assume conceber,
que não dão na prosa mística,
mas na ladainha dos odores da vida
que o vento
em um qualquer pulmão
consegue transcrever.

209. Trem de partida

Irei crescer e bater
estranho, estrangeiro,
como trem que escorrega
ao partir sem chegar.
Derrapa com as crenças dos nativos,
supostamente,
passageiro cativo...
Da estação?
Certamente nunca do destino,
que toda cidade é substituta,
e pois que o derradeiro coração,
é uma ilha,
na insistência do sangue,
em coaguladamente circular
de um coração ao outro.

Um dia, vou deixando as rimas
com o passar do trem!

208. A náusea


O que antes seria a fonte da cura
era o remédio distante,
ora tão perto da essência,
tornou-se intoxicante.

Aonde a idéia de distância era a doença,
provou-se a vacina curta, ad nauseam
onde o vício é da nascença,
ou da nascente.

A náusea, além de simples ânsia de vômito,
é também o complemento da existência.

Mesmo para o mais delicioso sentimento,
o vômito é um tal milagre!

207. Desescrituras

Acontece que,
quanto mais a história
adentra a história,
mais ela perde os seus detalhes indecifráveis
ao tentar fazer sentido,
e tudo mais que dela nunca foi escrito,
acaba por desescrever-se
pela arte do esquecido.

204. O outro lado do verso

Ao entrar numa guerra
não esteja do meu outro lado,
que antes do amigo,
os poemas esquecidos,
só são lembrados
com suas cicatrizes,
do outro lado do verso.

199.2. O peso existe

Tenho metade da idade de meu pai
Passei um terço da minha vida
gostando da mesma mulher,
Já foi um basta?
Numa saída inesperada
não sei como pude esquecê-la,
se o peso sempre persiste.

Não que tenha deixado de estar, mas
serão mais longos
os abraços cansados de chegada
ou os esquecidos de partida?
Não sei mais decidir
entre caminhos,
já sinto
eternamente cansado.

A Lógica é a genética da preguiça de criar, e a criação precisa de intensidade sendo o exercício do impossível imediato, mas, às vezes, porque não sermos um pouco indolentes?

Não 'creio' na Lógica por causa dos Ateus. Os mais consistentes propagadores das leis de Deus.

Mesmo não sendo parnasiano...

“Fuja da abundância estéril desses autores, e não se sobrecarregue com um pormenor inútil. Tudo que dizemos a mais é insípido e degradável; o espírito saciado repele instantaneamente o excesso. Quem não sabe moderar-se jamais soube escrever.”

Nicolas Boileau-Despréaux
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