242. O medo no ninho

Se as grades voando
pousarem em nossas janelas,
que protejam todos os outros
do que somos em seus ninhos.

Se estamos protegidos
da rapinagem das grades
veremos que
das quatro paredes,
através das janelas
somos as suas jaulas.

O medo é a rapinagem das grades
em nossa essência de janela.

241. Sermão da doença (perguntas frequentes I)

Se a gripe fosse da memória,
seria bastante esquecê-la?

240. Em estado de chuva

Estava
ainda ontem
em estado de chuva
Já não podia mais
encharcar-me
dos seus desejos
amando
dissolvi seus órgãos
nas mais simples trajetórias.

Na vizinhança dos meus órgãos
que não eram labirinto da minha existência
Não seria por aquele
ter se perdido o meu próprio.

239. O tamanho da cura

A presença
"que seja eterna
enquanto dure"
que a saudade
só nos serve de alongar
todas as medidas possíveis do tempo.
Sendo o esquecimento
o justo
impossível
tamanho da cura!

238. Rádio à dois

As músicas românticas
passaram a fazer sentido
na programação
um inconsciente radiofônico
à dois
que nos conta,
nas letras das músicas,
o que os olhares fixos
e as bocas
deixaram de contar...

237. Ser escolhido

A fêmea,
ao crescer mulher,
descobre que pode ter
a companhia de seu filho,
ao menos na gestação,
para o prejuízo
de um homem qualquer.

O homem,
por definição,
vem à luz sozinho
e é resgatado
da sua solidão luminosa
quando é escolhido
por uma mulher.

236. De olhos bem fechados

Quero olhos
que fechados
deixem entrar 'o sono dos justos'
porque bem abertos
distinguirão
os que só sonham bem pelados.

235. Aplausos

As flores,
embasbacadas,
o que fazem?
De modo a não se entregarem
aos olhares
Elas abrem e fecham
muito lentamente
e
ao sol
aplaudem!

234. Réquiem aos anos 70

Uma mulher dos setenta
me ensinou a dizer gostosa
na voz de Waly Salomão.
De um tempo estranho,
um lugar que já era estranho...
Nesse, na insistência de uns seus versos,
que aprendi a incorporar as saudosas entrelinhas.

232. O gênio das pequenas coisas

O gênio das pequenas coisas
não realiza desejos,
a não ser
cala-te contigo
durante os silenciosos-mantras.

Espanta os males
sem precisar cantar.

232. O ato

Nenhum prazer momentâneo,
se repete indefinidamente,
nas precisões do sexo!

231. Um luxo único

A morte é um luxo,
um luxo único da vida para os que podem!
Os pobres simplesmente 'apobrecem'!

230. Luzidos

Se meus olhos ficarem impregnados
é com as luzes que vou banhar nossos filhos,
esses que crescem nos ventres
dos olhares desencontrados?

229. Felicidade para todos

A felicidade do humano
só é diferente da dos animais,
pois o primeiro
aprendeu para si
e para estes demais
como deixar de amar.

228. Desconversar

Vim para o mundo
e as formigas já tocavam suas antenas
ao dar de cara.
Ao partir
sei que levarei todo o tempo,
pois que elas só fazem desconversar!

227. Encordoamento

Para os que encordoam-se,
não faltam nós,
principalmente,
na garganta,
como se
apropriados
para os bambos instrumentos da vida.

226. Amor eterno

Em exposição no “Museu dos Dispositivos Impraticáveis”, o Amor (eterno). Ao lado da peça podemos ler: nome fantasia para a fórmula patenteada por um cupido safado do 'combustível' para uso exclusivo em moto-perpétuos produzidos em série!

225. A chave

Levo a chave
do meu cinto de castidade
comigo.
Seria o princípio de alguma ou da minha moral?
Só sei que
o suficiente da falta de princípios
seria não ficar constantemente aflito,
se,
não por acaso,
tiver a perdido.

224. Sobre as paixões

O problema de bater-se o coração
é que nos ensinaram
desde sempre
que ele é 'involuntarioso'.

223. Apoenístico V

Num tal
cemitério de guarda-chuvas,
os enterros são feitos
de modo que as chuvas não apareçam!

Ou estariam, antes, as chuvas enterradas?

222. Devaneio

O entendimento é
o mais longo devaneio
da existência humana,
por se dar,
pela linha da razão,
instantaneamente!

O último estádio do entendimento
é entender que não se entende,
assim sendo um ato estético,
e não um capacidade da mente!

221. Sermão do mensageiro

A principal finalidade
das mensagens subliminares
é o consolo.

220. Apoenístico IV

Se há tantos galhos
quanto há pássaros,
Não será possível que,
por segurança,
cansarão de trocar
os galhos e os pássaros
dois a dois?

Motivos não são como asas,
que se bastam aos pares,
mas sabendo voar ou não,
basta um galho seguro de si
para equilibrar um passarinho.

O que me leva à dúvida:
se, para as árvores,
os pássaros seriam bons substitutos
de seus galhos.

Será que,
certo dia,
os galhos,
muito seguros de si,
voarão para longe?

219. Apoenístico III

Não adiantou nada
indiferente aos nossos esforços de fachada
a chuva lavou as tristezas até o prumo
por não entenderem-se no íntimo.
Uma chuva,
Qualquer que seja,
nunca entende uma fachada!

218. Apoenístico II

Não seja, exigente
que a pior solidão
é a da véspera
de se conhecerem...

217. Apoenístico I

...que adianta
saber que o coração
é de madeira
quando o que bate
é a saudade (ausência) pica-pau?

(...que adianta se não sou um golem de madeira? Não preciso ter nenhuma forma mítica, apenas um corpo tranquilo de bom coração! ...ou sem hermetismos apenas! Um peito sempre aberto de coração transparente e sangue mais ainda!)

215. A carcaça II

Por ser o tempo
um mero cerimonial
estará em sua solenidade
como uma 'presença transcendente',
a imagem e semelhança
do vazio de uma carcaça
que, há vários dias,
aprisionava os órgãos
cada um, em suas vidas,
do corpo, pedaços de si.

Disso não sei das vidas alheias
pela solidão destes
mas por seus cheiros.
Pelos entendimentos
que não são alheios ao ar
posso dizer que
ao menos
um pulmão morreu na praia,
junto com as carcaças
que tentou entender.

214. Suor e grades

Não há consolo
para as estações de calor
amontoados
os suores dos outros não nos refresca
nas promessas de um dia melhor,
após qualquer outro,
somos nossos corpos quentes
que, a cada suor, são novos.

Destes que se liquefazem
para escapar pelos poros
entre as grades do que
em qualquer corpo
já tornou-se jaula.

Sob essa multidão de barras
um eu presídio,
é, apenas por força das massas,
de todas as substâncias de nós mesmos,
a mais estranha, nosso corpo.

213. As jaulas

Existem dois tipos de jaulas:
As em que todos nos veem por um ângulo
e as em que somos vistos por um
e por todos os lados.
O que está em questão é
se escolhemos sempre
as suas interseções.

210. A carcaça


Lá está uma carcaça,
aproximar-me dela
não lembra a morte,
mas o vento, seu comentarista,
como a multidão que indistinta-se
por cercar a extinção
dos animais que a acomodam.

Agonizou na arena,
mesmo que vazia
atrai a atenção inspirada de cada peito
para o seu, aberto,
a respiração em corte pela transversal
como a aflição ao se aproximar de seu centro,
vertigina o lugar onde havia um coração.

Não para a fatalidade,
mas à todos os medos espectadores
que nossa ancestralidade continha,
pois não há jazido,
que não morra consigo.

Às ideias natimortas,
que ninguém assume conceber,
que não dão na prosa mística,
mas na ladainha dos odores da vida
que o vento
em um qualquer pulmão
consegue transcrever.

209. Trem de partida

Irei crescer e bater
estranho, estrangeiro,
como trem que escorrega
ao partir sem chegar.
Derrapa com as crenças dos nativos,
supostamente,
passageiro cativo...
Da estação?
Certamente nunca do destino,
que toda cidade é substituta,
e pois que o derradeiro coração,
é uma ilha,
na insistência do sangue,
em coaguladamente circular
de um coração ao outro.

Um dia, vou deixando as rimas
com o passar do trem!

208. A náusea


O que antes seria a fonte da cura
era o remédio distante,
ora tão perto da essência,
tornou-se intoxicante.

Aonde a idéia de distância era a doença,
provou-se a vacina curta, ad nauseam
onde o vício é da nascença,
ou da nascente.

A náusea, além de simples ânsia de vômito,
é também o complemento da existência.

Mesmo para o mais delicioso sentimento,
o vômito é um tal milagre!

207. Desescrituras

Acontece que,
quanto mais a história
adentra a história,
mais ela perde os seus detalhes indecifráveis
ao tentar fazer sentido,
e tudo mais que dela nunca foi escrito,
acaba por desescrever-se
pela arte do esquecido.

204. O outro lado do verso

Ao entrar numa guerra
não esteja do meu outro lado,
que antes do amigo,
os poemas esquecidos,
só são lembrados
com suas cicatrizes,
do outro lado do verso.

199.2. O peso existe

Tenho metade da idade de meu pai
Passei um terço da minha vida
gostando da mesma mulher,
Já foi um basta?
Numa saída inesperada
não sei como pude esquecê-la,
se o peso sempre persiste.

Não que tenha deixado de estar, mas
serão mais longos
os abraços cansados de chegada
ou os esquecidos de partida?
Não sei mais decidir
entre caminhos,
já sinto
eternamente cansado.

202. Telepatia

Se telepatia resolvesse,
mas a expectativa de comunicação
atrapalha tudo mais...

Presente (À Felipe Lobo) por Joana Guerra

O que posso te dar,
Que não me cobre, não gaste cobre, não olhe e cobre?

O que posso te dar,
Se não horas em sebos, livros de cheiros, e Coca?

O que posso te dar,
Se não poemas?
Pôr-do-sol,
Conselhos e chá...

O que posso te dar que não se configura?
Não se formata?
Sem figura, fotografia e adeus.

O que posso eu te dar,
Que me julgue satisfeita?

A-M-I-Z-A-D-E.

Num copo cheio de dias.

187. O jardim

Só no momento,
só de encontrar
a sua solidão
nas ausências
que no nosso jardim
não florescem,
mas tem por enfeites.

201. O passeio

Para quê tantas pernas
em tão poucos lugares?
Se andamos por aqui feito as tropas
Porque não fazermos as guerras bem feitas
costuradas as pernas?
Ah, as pernas amantes continuam por aí!
Seguem, entre o mesmo passo
costuradas ao longo de si.

200. Misantropia

Não são semideuses,
Somos nós humanos mesmo,
Potes cheios de vaidade...
Talvez,
algumas vezes esquecendo,
apesar de umas habilidades mixurucas
pintadas nas bordas,
somos lá os mesmos velhos mortais.

...porque errar não é questão de modéstia,
mas de 'jogo de cintura'!

Semideuses?
Por todo esse tempo,
Antes fossemos,
ao menos
teríamos superpoderes de passar o tempo!

199. Carrinho de rolemã

Um menino brinca
em carrinho de rolemã,
Para o passado do adulto
é a caricatura que mais aproxima o futuro
Para a criança apenas
um pequeno comprometimento
e a natureza reaprende a ser brinquedo
para ralar-se no seu indizível.

Para mim,
já velho,
vou admitindo,
sei lá como descrever esse momento.

198. Silêncio

Morando ao lado da solidão,
na vizinhança,
o silêncio ensurdecedor que não redime.
Conversando por dentro, cativeiro-me!
Saia daí,
sequestrado que estou,
e me convença
de que a culpa não é,
como brincadeira,
a mímica do mundo.
Se nem toda mudez é silenciosa,
Como poderei perguntar
Conversando sozinho
quem vem comigo?

197. Sexo (um nome provisório para vida)

A vida é a resultante do se
do sexo entre a morte e o sagrado,
determinada a única oportunidade
de consumar o ato, sexo no único encontro.
Não importa o acaso,
mas a capacidade de confessar que viveu,
sem entregar os segredos
daquele momento.
Sexo, um nome provisório,
para o que não acostumamos
chamar de vida.

196. Confiança II



(carvão em acetato por Felipe Lobo dos Santos, 2010)

...é a erva que cresce por trás
da porta entreaberta
será daninha, ou não?

Essa porta daninha!

195. Ruínas (poema chileno)

As paredes que,
orgulhosas,
erguem-se,
também infiltram,
mas são indiferentes às lágrimas
por isso
seguimos cheios de ruínas.

194. Olho mágico

Em termos de modernidade líquida
as vidas tornaram-se,
finalmente,
virtualmente paralelas.
Nas suas formas de medir o tempo,
ou seu espírito,
suas séries são fugazes.
Em seus finais, súbitos
de olho mágico caleidoscópico.

A Lógica é a genética da preguiça de criar, e a criação precisa de intensidade sendo o exercício do impossível imediato, mas, às vezes, porque não sermos um pouco indolentes?

Não 'creio' na Lógica por causa dos Ateus. Os mais consistentes propagadores das leis de Deus.

Mesmo não sendo parnasiano...

“Fuja da abundância estéril desses autores, e não se sobrecarregue com um pormenor inútil. Tudo que dizemos a mais é insípido e degradável; o espírito saciado repele instantaneamente o excesso. Quem não sabe moderar-se jamais soube escrever.”

Nicolas Boileau-Despréaux
Creative Commons License

A Pro
posta...

...deste blog é difundir o ideal da poesia compartilhada e não apropriada por aqueles que, pretensamente, se consideram autor@s. Assim, todo o conteúdo publicado neste, pode ser utilizado e modificado por qualquer um(a) que se sentir encorajad@. A única coisa não permitida é intitular-se autor. Por isso estou recorrendo à Creative Commons (veja em) para garantir este direito a tod@s!

O Conteúdo...

...será uma coleção de poemas produzidos em diversas épocas. Esta coleção (provavelmente com alguns poemas em gestação) não tem nome definido.

Modifiquem! Publiquem!