157. Quando as máquinas param VI (Nina II)

Não quero mais minhas preces
dissolvidas em lágrimas,
Batizar tuas magoas
na fonte das minhas esperanças,
Sem ser qualquer bendita maria,
Sem saber o que vai restar do meu apreço,
senão a crença que depositei por nós,
dois morando na mesma vizinhança da felicidade,
na pequena vila do seu quintal.

156. Quando as máquinas param V (Nina)

Temos de ser fortes,
como os pontos nas barras,
cada um de nós
pelos dois,
pois a felicidade alheia incomoda,
é o que mais vale da felicidade...
Não interessa saber
quais crianças brincam lá fora,
nem porque brincam,
nem o que é brincar,
somente que é preciso,
que vão.
O que será que brincar
tem a ver com felicidade?
Quanto mais costuro
e menos perguntas fizer sobre isso,
mais saberei,
e para o meu crescimento de indivíduo,
as máquinas é que pararam para me acariciar

155. Quando as máquinas param IV (Zé)

Foi de tanto ser rezado que nasci,
Não preciso mais rezar,
já tenho muito crédito
do lado da criação,
por estes
paguei meus pecados
e a devoção de meus pais,
que não conheci,
que só não tenho a sorte,
é preciso negociar.
Entre uma cartada, uma bolada
e a página virada, do jornal
que despenquei, e assim mesmo que me pari,
Deixam-me vencer,
se não me pertence o jogo de azar,
e para o meu crescimento de indivíduo,
as máquinas é que pararam para me acariciar.

154. Quando as máquinas param III (a religião)

Quando as máquinas param
Não acho estranha a corrupção,
mas que os moralistas sejam os maiores,
isto, por fim,
que eles já sabem que podem nos comprar.
Se já não o fizeram,
não é por nossas ideologias,
mas porque a vontade não existe,
bem como não podemos nos submeter.
Essa é a primeira lição
para se livrar do medo.
E é primeira
não porque venha antes de todas,
mas por vir-a-ser
o que dá o contorno de nossas mentes,
provindo delas e completando-as,
fechando suas formas
para psicologias possíveis,
o que não são
nossos destinos místicos.
São o poder de nos contradizermos,
o mais rapidamente possível,
diante da beleza cotidiana,
não por sua natureza,
mas por este poder.
Estará esta última
sempre superestimada,
porque não existe ingenuidade confessa.
Existe?
Muito antes,
ser um moralista sob juízo.

153. Quando as máquinas param II (o trabalhador)

Quando as máquinas param
heróis serão transplantados do coração
da realidades onde deixamos de existir,
porque fomos abatidos por eles,
por estes que já fomos,
porque eles acreditam
que a felicidade
é nada fazer,
e por acreditarem nisto
são sagrados heróis.

Secretamente
os heróis admiram
aqueles que nunca se ocuparam,
tentando distinguí-los
de quem não tem ocupação.
Logo estarão exaustos,
permitindo que cheguem triunfantes
os anti-heróis.

Pelos anti-heróis da nossa nação
não hasteemos lemas
não cantemos temas, nem hinos,
em sua devoção,
para estes temos apenas
tapinhas nas costas
e um sussurro ao pé do ouvido:
não fez mais que sua obrigação.

Porque dizer-lhes obrigado
pelo que fazem por intimidade,
do tipo que,
mesmo os mais ardilosos,
nunca transformarão em mecanismos
de quem brota mundos
e nunca os é por avesso.
Por isso, companheiros,
muito obrigado por acreditar!

152. Quando as máquinas param I (o cotidiano)

Quando as máquinas param,
enquanto as horas improvisam
e falham.
Os pecados rolam imaginação
das novelas televisivas
de um lado para o outro da cama,
da cabeceira solitária,
mirantes em arranha-céus,
de sonhos sempre em construção.

Para alcançar todas as imagens
dos santos pré-moldados e padroeiros,
nos seus sincretismos
há bastante inferno,
no terço, na imaginação,
enroscada nos peitos das freiras.

Nas repartições, no desemprego,
a minha autarquia
é algo beirando a luxúria
e a ira apreendida no contrabando,
decoração das barracas das feiras,
através de apertos de mão falsificados,
por denuncias de investigadores profissionais,
ironicamente,
por força dos mandatos de busca e apreensão
cheirando a uísque clandestino.

Na partilha dos pequenos detalhes,
alguns ainda hão de te julgar.

Entre uma partida e a consagração no campeonato,
as bandeiras violentas ao sabor do gás pimenta,
o instante lacrimogêneo da consciência neon,
das torcidas que se mexem
em ondas de suor e cerveja quente
para fábricas cotidianamente desconcertantes.

A Legião Estrangeira nos ensina
que as fronteiras dos nossos corpos
são para os que não deixaram
as nossas queridas liberdades,
sem preço de resgate,
ainda que bastem, mas não tardam,
na doçura cientificamente comprovada
dos nossos soberanos dedos indicadores,
entre hábeis polegares,
ou na sapiência deduzida dos impostos.
Que hoje em dia, os governos,
tanto quanto as igrejas,
já aceitam recado para encomenda
de peças para apocalípticos
maquinários do juízo final.

É preciso, ao serem aceitos os
alvarás para as reformas dos sorrisos,
nas prefeituras, ter em mente a eficiência total,
ser integro, digno e ter muita paciência
para respeitar a propriedade
definida em polegadas, braças e pés
para que permaneça
eternamente deitada em berço esplendido,
sem nunca corresponder
ao nosso verdadeiro amor.
Aquela que deixei dormindo
porque me disseram que
se eu estiver por muito tempo fingindo
chefiar todos na nossa casa,
é preciso ao menos velar
o sono e a fome dos que,
por não serem batizados por sua revolta,
nunca irão acordar.

151. Sobre o soneto inexistente de meu irmão para mim

Só poderei te chamar irmão,
se a carta que te escrevo,
for como um buraco
em alguma de minhas peles.
Não porque dele vaze nada,
mas pela necessidade de reconstituí-la
tão surreal quanto antes,
mantendo a transparência
sem que me torne invisível,
ao valor paradoxal
que a partir dela
posso sentir da família.
Um enchimento,
constituído tão somente de pele,
que não permite que meus ossos
atravessem minhas outras peles,
Que não sejam esquelético anúncio da visita,
na adolescência de minha maturidade.
Para que eu possa continuar apertando forte
os ossos de suas mãos
nos nossos renascimentos,
nos nossos encontros,
até as 'desnacenças'.
Ao final desta carta,
te chamarei de irmão,
e poderei dizer que contigo aprendi,
por saber que vamos nascendo do mesmo ventre,
que não vou morrer, mas desnascer
ao lado da minha família,
e daqueles que escolhi para estarem ao meu lado,
isso porque descobri que,
de simplesmente existirem
que é possível desengravidar a existência.

148. Soneto de meu pai

Sempre me falou do lugar onde sou rei
de modo mais que um soberano
Em tempo: cresci, na medida que faltei
qualquer um por este lugar kafkiano

Trás de presente depois do trabalho
em um embrulho, a dúvida se amadureci
o que poderei responder se faltei
responderei que sim, eu batalho.

Da dívida dos jogos trocados
quis manter nossas responsabilidades
Sempre soube que nasci príncipe

De carinhos dados e, ainda, arrancados
Vivi a mais pura das normalidades
A mesma herança de sempre: felipe.

142. Soneto de minha mãe

Às sortes da vida chamemos família
A minha, ao tê-la por amuleto
Não houve, de certo, ser uma só vez
Sei que não caberiam neste soneto.

Das mãos de minha mãe, apaziguam a rima
Assim, entre os amores, quais são possíveis
Amparou-me quando impossíveis e
Mostrou o que, desses quereres, era estima.

Soube sempre de minha hora primeira
Antecipando o que sentia, sempre
Nos cabelos, nas unhas, nossos jeitos.

De todas as vontades foi costureira
trabalhou duro por 'o que se cumpre'
com retalhos de amores imperfeitos.

A Lógica é a genética da preguiça de criar, e a criação precisa de intensidade sendo o exercício do impossível imediato, mas, às vezes, porque não sermos um pouco indolentes?

Não 'creio' na Lógica por causa dos Ateus. Os mais consistentes propagadores das leis de Deus.

Mesmo não sendo parnasiano...

“Fuja da abundância estéril desses autores, e não se sobrecarregue com um pormenor inútil. Tudo que dizemos a mais é insípido e degradável; o espírito saciado repele instantaneamente o excesso. Quem não sabe moderar-se jamais soube escrever.”

Nicolas Boileau-Despréaux
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