Do olhar, da proximidade dos muros que cantam a baía, sei que nem todo reflexo é seguro, mas nem todo aportar é, sei que das águas o é, tenho segurança disto.
Como um garoto que, encantado, ouve os contos sobre fartas pescarias daqueles que ali mesmo chegavam.
Porque, o reflexo das massas que costura os continentes, nos ancora como imagens em espelhos, mais seguros que qualquer pedra do porto e mais fértil que qualquer aterro.
Por isso, simplesmente chegar a uma enseada e amarrar as cordas no cais de um solar, não é conforto para o parentesco de fundo do mar que percorre o litoral no “naufrágio das ondas”, na memória de todos que se escoraram nas danças de suas marolas.
Está nas línguas de prata que sinalizam as praias, no chicotear dos ventos sobre, nos cobertores cristalinos ou mesmo turvos, são navalhadas dos lemes no eterno deslizamento da areia da inspiração e do que desta deriva. São chamados das sereias famintas de marinheiros, porque toda história será entregue pelos súditos mais próximos ao Rei Mar. Oferendas à sensibilidade de sua arte, na ancestralidade do assoalho dos oceanos, muito antes do que representa qualquer mito da criação. Que não está nas falas rasgadas, travestidas em trapos, que chamamos velas ou discursos de estiva, mas tatuados na extensão dos rastilhos de podridão, nos corpos que flutuam na beira-mar da imaginação das esposas dos mesmos marinheiros, que só retornam pela elevação das marés. Porque há, ao menos, uma lua para velar e, ao mesmo tempo, iluminar seu cortejo de algas cintilantes. Pois, para todos os viventes, os seus restos serão servidos na bandeja de todos os santos.
134. Solar do Unhão
sexta-feira, 24 de julho de 2009
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